Delitos alimentares

breakfast.gifCafé da manhã de hotel. Um amplo salão cheio de gente tomando seus desjejuns. Para mim não havia muita variedade. Pão de forma torrado, pouca coisa para passar em cima, algum café com leite para fazer descer o miolo quase seco. Uma mulher, que compartilhava a mesa comigo, tinha uma cesta cheia de guloseimas. E, ao sair da mesa, levou a cesta consigo, despertando minha inveja.

Sucedeu-a na mesa um rapaz bonito, com quem comecei a entabular uma conversa de amenidades quaisquer. Lá pelas tantas, o rabo de uma frase do moço diz:

“… você veja: eu, no alto dos meus 79 anos, nunca…”

“Oi? Você, 79 anos? Isso é impossível”, interrompi, observando sua pele, seu rosto, com meticulosa atenção. Nenhuma ruga, nada. Não daria para ele mais do que 30 anos, e talvez até menos.

“É verdade”, ele disse. “Se quiser, te mostro meu RG”.

Eu o fiz mostrar seu RG e, a não ser que fosse um documento falso, lá estava. O “moço” tinha 79 anos.

Incrédula, eu lhe saraivava de perguntas sobre sua condição tão peculiar. “Mas então sua alimentação é algo na linha vegana-ayurvédica-ômega 3-ortomolecular!” Ele só fazia dar risadinhas misteriosas. Eu apontei para sua refeição matinal, acusadoramente:

“Mas você está comendo pão branco e tomando café com leite de vaca. Tudo isso é extremamente inflamatório!”. Ele não me respondeu, pois estava de boca cheia.

Saí dali para procurar por um telefone público e ligar para a minha esposa, versada em alimentação saudável e não-inflamatória, para lhe consultar sobre a possibilidade de haver uma espécie de matusalém moderno que se alimentasse de pão branco e leite de vaca industrializado (e, ao mesmo tempo, delatar esse crime horrendo). Mas acabamos falando de outras coisas e deixei, sem perceber, o assunto do rapaz de lado.