Inventaram a roda, mas vamos reinventar os pés?

Nessa de passar a bola para que outras pessoas digam o que eu não diria melhor, segue artigo do Ruy Castro publicado na Folha de S. Paulo, hoje. É um sentimento do qual compartilho, especialmente aos modelos crossovers que, de acordo com os cadernos de veículos de vários jornais do país, vem chegando ao Brasil com força total. Vide o lindíssimo (e desproporcional ao tamanho do dono – entendam como quiserem) Cayenne.

Extensões da roda

RIO DE JANEIRO – O Rio chegou a 2 milhões de carros; São Paulo, a 6 milhões. No Rio, é um carro para cada três habitantes; em São Paulo, são dois. O automóvel venceu. O comunicólogo Marshall McLuhan, talvez a única voz otimista de 1968, errou feio: o ser humano é que se tornou uma extensão da roda. Mas, em 2008, quem quiser chegar rapidinho a qualquer lugar, é melhor que vá a pé.
Uma prova de que nos reduzimos a indesejados apêndices de nossos veículos é o destaque dado pelos on-lines, jornais e TVs ao trânsito e às enchentes. Ocupam muito mais espaço do que a morte de, pelas estatísticas, 1,2 motoqueiro por dia em São Paulo. A informação de que há “congestionamento” ou “pontos de alagamento” em tal região é mais importante que a tragédia diária de um motoqueiro ou o estropiamento físico de outros seis ou sete. E que se remova logo o cadáver para o trânsito voltar a “fluir”.
Ouço dizer que um dos motivos do estrangulamento de nossas cidades é que, hoje, qualquer pessoa pode comprar um carro e pagá-lo em até 72 meses. Significa que esse carro só será quitado daqui a seis anos. Mas, muito antes, já terá ficado tão “velho” que precisará ser trocado por outro, claro que do ano. Sem problema: dá-se a furreca de entrada e liquida-se o resto em mais 72 meses, num endividamento que, pelo visto, só termina com a morte. Para isso nasceu o ser humano?
E outro motivo para que nossas cidades estejam ficando intransitáveis me parece ser o tamanho dos carros. Foi-se o tempo em que as pessoas queriam carros bonitos, leves e elegantes. A ordem agora são as jamantas, os furgões grosseiros e os jipes gigantes, que, até há pouco, só se viam na zona rural, transportando estrume. Iludimo-nos com a idéia de que moramos em Nova York, mas rodamos por ela em diligências do Velho Oeste.

Número 1

Janeiro.

Foi de tudo. E foi algo, como uma porta sólida. Seu frio selava a cidade numa cápsula cinzenta. Janeiro foi momentos, e janeiro foi um ano. Janeiro fez chover os instantes e congelou-os na sua memória: a mulher que ela viu consultando ansiosamente, à luz de um fósforo, os nomes em uma entrada escura, o sujeito que rabiscou um recado e entregou-o a seu amigo antes de se separarem na calçada, o sujeito que correu um quarteirão atrás de um ônibus e pegou-o. De cada gesto humano parecia emanar uma magia. Janeiro era um mês de suas faces, chocalhando como guizos de bufão, estalando como crosta de neve, puro como qualquer começo, taciturno como um velho, misteriosamente familiar e ainda assim desconhecido, como uma palavra que quase se define, mas que não se chega a definir.
Patricia Highsmith in: Carol. Porto Alegre: LP&M, 2006.

Moda de novo

“A alta-costura é indispensável à realidade de uma sociedade civilizada. Pois ela fixa não somente a aparência do corpo mas um comportamento, um estilo – se uma mulher tem um corset ou não o usa, sua postura em uma cadeira é diferente, assim como com saltos ou não, seu caminhar é outro. A moda então atinge a estrutura e até mesmo – estou convencido disto – as relações entre os seres. É um pensamento que se traduz pelas formas. É uma filosofia em ação. A sobrevivência ou o desenvolvimento da alta-costura são sinais de saúde de uma sociedade”. (Pierre Cardin, revista Arts – 11.09.1981. Tradução Livre)
O que vocês acham, hein?