A noite iluminada de letreiros de boate, numa zona portuária que logo adiante era erma como o nada. Um limiar.
Eu caminhava também no limite entre o sempre ter feito parte daquilo tudo – “uma mulher do porto”, era como eu sempre me definia aos amigos da minha cidade adotada – e ser uma ainda pequena Alice que adentrava o caleidoscópico desconhecido.
Estava inchada de desejo, mas era só por dentro do peito, era uma ânsia – essa que frequentemente corrói as pontas das minhas unhas – que, desta feita, era perseguir uma diversão qualquer. Eu estava indo dançar. Sozinha, em busca de dançar, sem companhia, à beira do precipício da sedução. Estava frio, era tão tarde, quase um fim-de-festa intransponível, mas eu sabia que aquilo não acabava nunca, então seguia, percorrendo os paralelepípedos.
Com a rua ainda coberta pelo manto da escuridão, um grupo de criaturas da rua se emparelhou nos meus passos. Dinheiro, dinheiro, dinheiro. Eu não tenho, rebati. O que eu tinha já gastei e vou tentar entrar ali de graça, disse, apontando para a entrada da boate, logo adiante. Pensava que podia, ou não, ser minha salvação. A noite já se convertera num lusco-fusco que seria logo o amanhecer, mas o entra-e-sai de gente não parecia arrefecer.
Consegui deixar os vagantes para trás e passei pela primeira barreira. Estava na antessala que precedia a pista. O tunts-tunts ribombava lá dentro, mas eu, rica que estava, tentava me proteger de mãos gananciosas. Tirei, pois, do bolso o bolo de dinheiro que negara aos moradores de rua, e vi que tinha na mão centenas de reais, em notas novas, intactas, cheirosas. Separei em duas diferentes porções e os coloquei em bolsos invisíveis nas minhas calças, na altura das panturrilhas, antes de entrar na boate.